Liderança Munduruku realiza palestra no Laboratório de Arqueologia Curt Nimuendajú
Jairo Saw Munduruku
Foto: Edvaldo Pereira
Em uma
bela tarde ensolarada, às margens do rio Tapajós, Jairo Saw Munduruku começou a
entoar canções em sua língua nativa. Eram seus sinceros cumprimentos de
boas-vindas aos presentes, alunos e professores da Ufopa, que formavam um
círculo ao seu redor, ansiosos para ouvir as histórias e ensinamentos da
liderança Munduruku. Era uma sexta-feira 13, em fevereiro de 2015, véspera de
Carnaval, mas, naquele momento, nada disso importava.
O
encontro, organizado pelo grupo AnArq, que reúne professores e discentes do
Programa de Antropologia e Arqueologia da Ufopa, aconteceu no exterior do
Laboratório de Arqueologia Curt Nimuendajú, no Câmpus Tapajós, em Santarém
(PA). O palestrante é uma liderança indígena reconhecida na região, assessor do
cacique geral do povo Munduruku e grande conhecer da história da etnia.
E Jairo
Munduruku falou. Falou sobre o passado e o presente dos Munduruku, como
prometera. Mas falou também sobre aquilo que ameaça a paz e o futuro de seu
povo. Falou sobre como era a organização política dos Munduruku desde o início
de sua existência e de como o seu povo foi desenvolvendo-se, em diversas
“classes”, até chegar à atual configuração.
Estima-se
que só no estado do Pará existem hoje aproximadamente 12 mil Munduruku vivendo
em aldeias espalhadas ao longo do rio Tapajós. Mas há ainda muitos outros
Munduruku, vivendo, aldeados ou não, nos estados do Mato Grosso e do Amazonas.
“Os Munduruku estão espalhados em todos os estados brasileiros”, afirma Jairo
Saw, que vive na aldeia Sai-Cinza, localizada próxima ao município de
Jacareacanga, no sul do estado do Pará, na divisa com o estado do Amazonas.
Durante
o encontro, Jairo também contou diversas histórias que fazem parte do
imaginário Munduruku, como o mito de criação do sol, que subiu aos céus por ser
bom e puro; e, até mesmo, da criação da cidade de Belém. Sim, há uma lenda
sobre isto também que lembra, em certo aspecto, o mito da caixa de Pandora
invertido. “Não considero que sejam lendas ou mitos, pois considero que elas
são reais”, afirma. “São histórias que dão lição para nós”.
Jairo
também falou sobre sua principal preocupação, que pode comprometer para sempre
o futuro de seu povo: a construção de barragens e hidrelétricas no rio Tapajós.
“Hoje a nossa luta é por isso. É a luta pelo rio da vida, que é sagrado”.
A
preservação da cultura e da identidade indígenas constitui-se em desafio
permanente. “A nossa preocupação hoje é que o governo não valoriza o nosso modo
de viver. A nossa história está desaparecendo”, lamenta Jairo que defende ainda
a construção de uma educação indígena diferenciada, uma nova pedagogia voltada
para a preservação de sua cultura e costumes. “A gente não aprende só na sala
de aula, mas no ambiente que vive”.
Foto: Maria Lúcia Morais
Entrevista
Após o
ensolarado encontro, que durou a tarde inteira, Jairo Saw Munduruku gentilmente
nos concedeu uma entrevista exclusiva, na qual reafirmou sua preocupação com a
preservação do Tapajós e da cultura do seu povo.
1. Qual
a maior preocupação ou problema enfrentado hoje pelo povo Munduruku?
A nossa
maior preocupação hoje é com o empreendimento do governo, que está nos
afetando. Não vai afetar somente o rio Tapajós, mas sim uma série de coisas que
vão nos afetar. Vai afetar a vida do rio, dos animais, dos peixes, da
população. Vai haver uma mudança, um caos, para toda a população Munduruku. Não
estamos falando apenas da construção de hidrelétricas. Sabemos que, a barragem
sendo construída, vão vir grandes minerações, grandes pecuaristas,
madeireiros... A gente se preocupa de que abrindo as portas vão vir muitas
outras coisas ruins, e que não teremos sossego na nossa vida.
2. Por
que o rio Tapajós é tão importante para os Munduruku? Por que ele é sagrado
para vocês?
Ele não
é sagrado somente para nós, Mundurukus. Ele é sagrado para a vida dos peixes no
rio, sagrado para a floresta, sagrado para todas as sociedades que moram ao
longo de suas margens. Então, não é só para os Mundurukus que ele é sagrado...
É para toda a vida da humanidade também.
3.
Durante sua palestra, você falou que há alguns pontos do rio Tapajós que são
sagrados para vocês, pois estão relacionados à história do povo Munduruku.
Quais são esses locais sagrados que se escondem no rio Tapajós?
Não
podemos dizer exatamente onde são esses locais sagrados mas, pra nós, eles
fazem parte da história, porque foram nossos antepassados que passaram por ali
e deixaram suas marcas, seus rastros. Por isso que a gente diz que são
sagrados, porque não se trata simplesmente de uma lenda, é real e vemos isso
pelas marcas que eles deixaram.
Ao longo
do rio Tapajós existem vários locais sagrados e pra nós é muito importante o
registro de que realmente nós fazemos parte da construção desse mundo, dessa
natureza. Um exemplo é a baia do Guajajara, para quem vai para Belém. Ali é a
nossa história, o nosso ser que está ali. Se a gente for presenciar outros
locais sagrados, tem a cachoeira do São Luiz do Tapajós. Também é a nossa
história. Tem aldeias ali próximas ao igarapé Bom Jardim. Os antigos moravam
ali, tanto que existem até hoje as plantações. Os vasos cerâmicos ainda estão
lá. As plantas, os carás-inhames, ainda estão lá. Não é coisa criada. Quem
quiser comprovar, tirar suas dúvidas, pode ir até lá e dizer realmente
“Munduruku esteve aqui e está aqui”.
4. Você
tem uma preocupação muito grande com o registro daquilo que faz parte da
cultura Munduruku. Quais aspectos você tem interesse em pesquisar?
Pra mim,
todos os aspectos. A música tem tudo a ver com o atual mundo que estamos
vivendo agora. Está transmitindo o que está realmente acontecendo. Da mesma
forma é a nossa organização política. Através das escritas, pinturas, da
medicina tradicional, tudo isso é muito interessante e me preocupa a sua
preservação.
5. Com
relação à educação indígena, como acontece essa aprendizagem dentro da aldeia?
Como as crianças são tratadas?
A
criança se desenvolve naturalmente. Ela aprende com o pai, a mãe, a avó, a tia.
Ela convive diariamente com a família, observando o que o pai faz, a mãe faz,
durante a caçada, a pesca, na roça. A criança vai aprendendo e passa a exercer
a função que o pai está exercendo. O espaço da escola não oferece isso. A
criança fica presa ali, ela não consegue se desenvolver. Quando ela volta da
escola, ela não vai mais querer acompanhar o pai para pescar. Essa é a nossa
preocupação de construir uma nova educação, uma educação diferenciada na
própria pedagogia, porque ela acompanhando o pai ela aprende muito mais do que
estando apenas na sala de aula, pois aprende com a prática, não só na teoria.
Por isso acho mais interessante uma educação nesse contexto.
Maria
Lúcia Morais – colaboradora do blog
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