O Ministério Público Federal em Santarém (PA) requisitou acesso integral ao inquérito que acusa os brigadistas e informa que uma investigação da Polícia Federal em inquérito aberto ainda em setembro não possui nenhum elemento que aponte para a participação de brigadistas ou de organizações da sociedade civil.
Brigada de Alter do Chão, em Santarém (PA), combate incêndio na região. Foto: Brigada de Alter do Chão
Eram 9h54 da manhã quando recebi a primeira informação sobre
a prisão dos quatro brigadistas voluntários em Alter do Chão. Era quase que um pedido de socorro contido
naquela mensagem: “Gente, a polícia tá levando a galera da brigada de incêndio
de Alter presa. Prisão preventiva. Estão sendo acusados de botar fogo em Alter”.
Fui tomado pela surpresa naquele momento. Nunca tive contato
com as pessoas envolvidas nesse projeto, mas como morador da cidade e
frequentador de Alter tenho conhecimento do trabalho desenvolvido
pelo grupo de voluntários junto com o Corpo de Bombeiros desde o ano passado para treinamento e formação de
brigadistas na área de proteção ambiental de
Alter do Chão, uma das guardiãs do maior aquífero de água doce do planeta.Tinha até mesmo intenção de entrevistá-los para o blog Amazônia em Foco mostrando um trabalho que sempre considerei de extrema importância.
Mais tarde pude conferir que a notícia sobre a Operação Fogo
do Sairé e a prisão dos quatro brigadistas já estava circulando em blogs da
cobertura policial local e em sites de notícias da região desde pelo menos as 8h30. Não acompanho a cobertura policial local, por isso estava desatualizado da informação mais importante que circulava na cidade. Às 10h já se espalhavam vídeos mostrando a chegada do comboio policial na sede da Polícia Civil de
Santarém, que trazia os brigadistas presos.
Os quatro rapazes foram recepcionados por um grupo de blogueiros do
circuito do noticiário policial, que com seus celulares filmavam e narravam o
acontecimento já com as informações incriminatórias repassadas à imprensa pela
própria polícia. Às 10h45 recebi a primeira nota distribuída pela Polícia
Civil do Pará a respeito da operação. A mesma que já circulava desde cedo e foi
a base para todo o material noticioso que veio a seguir. Seja dos blogs de
cobertura policial, seja da imprensa comercial incluindo sites e TVs.
A nota trazia
o nome dos acusados e apresentava como justificativa para a prisão o trabalho
investigativo de dois meses no qual se revelaram “indícios que apontavam para o
possível envolvimento de ONGs, em especial a Brigada de Alter do Chão, como
causadoras dos incêndios.”
As primeiras notícias durante toda a manhã traziam apenas a
Polícia Civil como fonte. E numa cidade como Santarém, a primeira informação
que circula ganha força e ares de verdade absoluta. Não era raro ver postagens
e comentários onde os acusados já eram condenados pelo crime, inclusive com
sugestões de pena. E as provas sequer haviam sido apresentadas.
A versão comprada por muitos dizia de provas robustas, áudios,
vídeos, fraude financeira de milhares de dólares e envolvimento de ONGs
internacionais. Na pressa para fazer a notícia circular o mais rápido possível a
voz do outro lado, isto é, das ONGs citadas no inquérito não apareciam nas
matérias. Um cenário perfeito para a criação de suposições e acusações
condenatórias contra os quatro brigadistas presos e para as três organizações envolvidas
na trama.
Já no fim da manhã, o delegado José Humberto Melo Jr., da Polícia
Civil do Pará, apresentou durante uma coletiva de imprensa as razões que
levaram às prisões preventivas de Daniel Gutierrez Govino, João Victor Pereira
Romano, Gustavo de Almeida Fernandes e Marcelo Aron Cwerver. Os mandados foram expedidos
pelo juiz da primeira vara criminal de Santarém, Alexandre Rizzi.
Segundo Melo Jr., as prisões eram resultado de uma
investigação que já dura dois meses e visava “desarticular o grupo que ateou
fogo em Alter no mês de setembro”. Naquele momento, os acusados foram apresentados
pela autoridade policial como suspeitos de atearem fogo nas matas e articularem
para fraudar financeiramente sua própria ONG e usar outras duas para o
cometimento dos crimes.
Acusações, suspeições
e grampos
"Eles filmavam, publicavam e depois eram acionados pelo
poder público a auxiliar no controle de um incêndio que eles mesmos
causavam", disse o delegado José Humberto Melo Jr., titular da Diretoria
de Polícia do Interior, no comunicado expedido à imprensa. Os quatro detidos estão
sendo acusados de causar danos direto ou indiretos a unidades de conservação
ambiental, o que prevê pena de 1 a 5 anos de reclusão, e de associação
criminosa, que prevê pena de 1 a 3 anos de reclusão.
O delegado informou ainda que a polícia estava de posse de
farto material, incluindo conversas de áudio e vídeos feitos pelos suspeitos
antes e durante o início do fogo nas matas da floresta em Alter, porém não os apresentou.
Um trecho de áudio liberado pela polícia mostra uma conversa que teria
acontecido entre um dos brigadistas e uma mulher que menciona os incêndios, mas
o delegado não esclareceu qual crime estariam praticando. Leia o extrato da
conversa liberado pela polícia:
Mulher: Estou um
pouco preocupada com o incêndio aí, né. Então...
Gustavo: Se você tiver
um tempo, aí, a gente pode conversar, estou por trás de tudo. Sou da Brigada
Alter, a gente está com o Instituto Aquífero Alter, que fundou a brigada a um
ano e meio atrás. E... pedindo apoio de todo mundo. A WWF está esperando uma resposta
segunda-feira de um contrato de R$ 70 mil em equipamentos para a Brigada.
Mulher: Ah, que bom...
Gustavo: A vaquinha
deu R$ 100 mil pra galera. Uma vaquinha nossa. Tá maravilhoso! Tá maravilhoso!
Foi triste. A galera tá num momento pós-traumático, mas tudo bem.
Mulher: Mas tá
controlando?
Gustavo: Tá extinto...
Mulher: Que bom
Gustavo: Quando vocês
chegarem vai ter bastante fogo, na rota inclusive. Se preparem...o horizonte
vai estar todo embassado.
Extraído assim de um contexto, o áudio não prova nada. Mas o
delegado Melo Jr. fez questão de destacar durante a coletiva que o diálogo deixa “perceptível referir-se
a queimadas orquestradas”. Ainda durante a coletiva informou que o inquérito deverá
provar que os incêndios foram praticados de forma criminosa para que a Brigada
pudesse captar recursos por meio de doações. "Percebemos que a pessoa
jurídica deles conseguiu um contrato com a WWF, venderam 40 imagens para a WWF para
uso exclusivo por R$ 70 mil, e a WWF conseguiu doações como do ator Leonardo
DiCaprio no valor de US$ 500 mil para auxiliar as ONGs no combate às queimadas
na Amazônia”, alegou Melo Jr.
O delegado ainda explicou que, de acordo com suas
investigações, a Brigada era um “projeto que se autocontratava usando o CNPJ do
Instituto Aquífero Alter do Chão e recebia doações pelo CNPJ do projeto Saúde e
Alegria”. Razão para que um dos mandados de busca e apreensão tivesse como alvo
a sede da ONG Projeto Saúde e Alegria (PSA). Segundo Melo Jr, a Brigada de
Alter do Chão teria recebido cerca de R$ 300 mil através do CNPJ do Saúde e
Alegria e também da ONG Instituto Aquífero Alter do Chão.
Esclarecimentos dos
envolvidos
Em nota, o WWF-Brasil, afirma que não adquiriu nenhuma foto ou
imagem da Brigada, nem recebeu doação do ator Leonardo DiCaprio. “Tais
informações que estão circulando são inverídicas”, diz a nota. O WWF-Brasil
possui contrato de Parceria Técnico-Financeira com o Instituto Aquífero Alter
do Chão para a viabilização da compra de equipamentos para as atividades de
combate a incêndios florestais pela Brigada de Alter do Chão, no valor de R$
70.654,36. Nesta modalidade de parceria, o WWF-Brasil viabiliza financeiramente
a compra dos equipamentos para o combate ao fogo, dentre os quais abafadores,
sopradores, coturnos e máscaras de proteção.
A ONG Saúde e Alegria, 30 anos de atuação na Amazônia, especialmente
em Santarém, com prestação de serviços de saúde em comunidades de difícil
acesso e que viu sua reputação ser descontruída na operação desencadeada e
divulgada pela polícia reagiu em nota ainda pela manhã, mas a imprensa local só
repercutiu na tarde de ontem. "Não existe no momento nenhum procedimento
contra o Projeto Saúde e Alegria, mas apenas a apreensão de documentos
institucionais no âmbito de um inquérito a respeito do qual ainda não temos
acesso a nenhuma informação. Reforçamos que estamos colaboramos com as
investigações. A Instituição acredita no Estado Democrático de Direito e espera
assim como todos os que estão acompanhando, o mais rápido esclarecimento dos
fatos."
À tarde, em coletiva à imprensa na Câmara do Deputados, onde
participava de uma audiência pública sobre energia em comunidades rurais na
Amazônia, Caetano Scannavino, coordenador do PSA, se declarou estupefato com a
ação da polícia. "É uma situação kafkaniana, um pesadelo. O que a gente
percebe claramente é uma ação política para tentar desmoralizar as ONGs que
atuam na Amazônia. É muito preocupante", afirma o coordenador Scannavino. A
ONG nega qualquer possibilidade de uso indevido de CNPJs para acolhimento de
doações à Brigada.
Também por meio de nota, o Instituto Aquífero Alter do Chão,
parceiro dos Brigadistas, disse que "membros e apoiadores da Brigada,
entre eles advogados, estão apurando o que levou a esse fato".
"Estamos em choque com a prisão de pessoas que não fazem senão dedicar
parte de suas vidas à proteção da comunidade, porém certos de que qualquer que
seja a denúncia, ela será esclarecida e a inocência da Brigada e seus membros devidamente
reconhecida", afirmou a entidade
Por meio de nota, a organização Brigada de Alter disse que a
prisão preventiva "causou grande perplexidade a todos os cidadãos de bem
que sempre lutaram em prol da preservação da Amazônia". "Os
brigadistas desde o início têm contribuído com as investigações policiais. Já
haviam sido ouvidos na Delegacia de Polícia Civil e colaborado de forma efetiva
no inquérito após o incêndio de setembro que eles ajudaram a combater."
Repercussão nacional
e internacional
Tão logo a polícia efetuou as apreensões e prisões em
Santarém, uma reação nacional e internacional começou a ser articulada. Entidades
ligadas aos direitos humanos, questões ambientais, indígenas da região, sindicatos, associações e outras organizações da sociedade civil soltaram notas de repúdio à ação da polícia e em apoio aos brigadistas presos
sem a apresentação de provas.
Após as várias manifestações de setores da sociedade
civil o governo do estado emitiu uma nota, onde afirmou que não interfere em
investigações da polícia civil, que é autônoma. O governador Helder Barbalho
(MDB) também disse através da nota que as "ONGs são fundamentais para a
preservação das florestas no Estado, e que o Executivo continua parceiro de
todas as instituições e entidades que respeitam as leis brasileiras".
A Anistia Internacional também manifestou preocupação com a
ação. "Não há, até o momento, informações sobre as investigações ou os
procedimentos adotados pelas autoridades contra os acusados que justifiquem a
decisão pela prisão, apenas relatos de entrada na sede da organização Saúde e Alegria, onde funcionava a Brigada de Alter do Chão, e coleta de
documentação, o que inspira preocupação na Anistia Internacional em relação à
transparência das investigações”, disse a organização, em nota.
Diversos órgãos de imprensa internacionais também deram
destaque à prisão dos brigadistas de Alter.
Ainda presos
Na manhã de hoje (27) o juiz Alexandre Rizzi, o mesmo que autorizou as buscas e as prisões, recebeu os acusados e advogados em audiência de custódia e se recusou a libertar os quatro brigadistas. Prometeu analisar possibilidade de soltura ao final inquérito que terá prazo de dez dias para ser concluído pela Polícia Civil do Pará.
Agora à noite (27), o Ministério Público Federal em Santarém (PA) informou que requisitou acesso integral ao inquérito que acusa os brigadistas por incêndios florestais. Desde setembro está em andamento na Polícia Federal um inquérito com o mesmo tema e que a investigação federal não possui nenhum elemento que aponte para a participação de brigadistas ou de organizações da sociedade civil. "Ao contrário, a linha das investigações federais, que vem sendo seguida desde 2015, aponta para o assédio de grileiros, ocupação desordenada e para a especulação imobiliária como causas da degradação ambiental em Alter", diz a nota.
Ainda presos
Na manhã de hoje (27) o juiz Alexandre Rizzi, o mesmo que autorizou as buscas e as prisões, recebeu os acusados e advogados em audiência de custódia e se recusou a libertar os quatro brigadistas. Prometeu analisar possibilidade de soltura ao final inquérito que terá prazo de dez dias para ser concluído pela Polícia Civil do Pará.
Agora à noite (27), o Ministério Público Federal em Santarém (PA) informou que requisitou acesso integral ao inquérito que acusa os brigadistas por incêndios florestais. Desde setembro está em andamento na Polícia Federal um inquérito com o mesmo tema e que a investigação federal não possui nenhum elemento que aponte para a participação de brigadistas ou de organizações da sociedade civil. "Ao contrário, a linha das investigações federais, que vem sendo seguida desde 2015, aponta para o assédio de grileiros, ocupação desordenada e para a especulação imobiliária como causas da degradação ambiental em Alter", diz a nota.
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