Pesquisas buscam identificar vestígios das primeiras ocupações humanas no Amazonas
Foto: Júnia Chaves
Um vestígio grande ou pequeno. Uma
peça ou seus fragmentos. Esses são alguns indícios que estão levando
pesquisadores do Instituto Mamirauá a mapear uma parte da história da ocupação
humana no estado do Amazonas. Na região do Médio Solimões, as pesquisas ocorrem
tanto nas Reservas Mamirauá e Amanã, quanto em áreas vizinhas, nos municípios
de Tefé e Alvarães. As pesquisas arqueológicas são desenvolvidas desde 2006 em
parceria com o Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo.
Outra parceria, desta vez com o Instituto Piagaçu, já permitiu a identificação
de oito sítios na Reserva Piagaçu-Purus, também no Amazonas. Cada local fornece
elementos de comparação e novas evidências para o fortalecimento das
descobertas no estado.
Em geral, os vestígios arqueológicos
vão de monumentos aos fragmentos cerâmicos ou de pedra lascada. “O contexto
onde o vestígio está depositado é que dá subsídios importantes para a sua
interpretação. Em que profundidade ele está, ao que está associado, se tem
terra preta, se tem vestígio botânico, se tem vestígios ósseos ou de
sepultamento. Aí o vestígio não é só mais um caco, mas faz parte de um indício
completo de uma sociedade, um testemunho material que foi deixado para trás”,
explica Eduardo Tamanaha, arqueólogo do Instituto Mamirauá.
A arqueologia Amazônica tem alguns desafios
específicos. A Amazônia é uma vasta área, que engloba nove países
latino-americanos. Com dimensões imponentes e riqueza de biodiversidade, muitas
vezes esta área é entendida como um vazio demográfico, uma última fronteira de
natureza intocada. Ao contrário, as pesquisas arqueológicas na região vêm
mostrando um cenário bem distinto. Vestígios encontrados em diferentes áreas
indicam uma história milenar de ocupação humana, datada de mais de 14 mil
anos.
A arqueologia também vem mostrando
que o olhar sob a Amazônia deve ser diferente. Antes da chegada dos europeus ao
continente, a Amazônia era densa e diversamente ocupada. Compreender os modos
de vida dos povos indígenas neste momento implica em romper com expectativas
baseadas em modelos de desenvolvimento que outros grupos humanos vivenciaram,
especialmente aqueles dos colonizadores.
A busca por vestígios de agricultura e de domesticação de plantas
é um exemplo disso. Cultivar uma planta que crescia sem interferência humana a
partir de processos controlados, domesticando-a, foi um fenômeno tipicamente
europeu e mesopotâmico. Durante muitos anos as pesquisas procuravam estes
vestígios na Amazônia, sem ter sucesso. Para Eduardo, "as questões metodológicas
devem propor novas perguntas. Algumas plantas como a pupunha, o milho, a
mandioca, talvez tenham sido de fato domesticadas, mas outras, como o açaí, a
bacaba, a castanha, podem ter sido só manejadas. As populações indígenas podem
ter manejado as áreas onde essas plantas nasciam e produziam, como também as
próprias plantas. A arqueologia tem encontrado vestígios que podem
corroborar essa interpretação".
Estas relações que os povos
amazônicos estabeleceram, e ainda estabelecem com o ambiente apontam para o
fato de que a presença humana não é necessariamente predatória. "Então
essa biodiversidade da Amazônia não é só um fruto natural, mas ela teve também
uma ajuda do homem. Conforme ele interage ele pode manter ou até aumentar essa
biodiversidade da floresta", aponta Eduardo. Assim, as informações
arqueológicas colaboram para a criação de políticas consistentes de
conservação, que incluem as populações locais, como as Reservas de
Desenvolvimento Sustentável.
Como o trabalho é desenvolvido?
Hoje o trabalho do Laboratório de
Arqueologia do Instituto Mamirauá, pautado por essas novas discussões, está
concentrado em etapas iniciais de pesquisas. Na Reserva Amanã, mais de 30
sítios arqueológicos já foram mapeados e quatro escavados. Os sítios normalmente
são apontados pelos próprios comunitários, que conhecem bem as áreas e costumam
encontrar os vestígios ao trabalhar a terra. "O legal é que existe uma
parceria, os comunitários contam o que conhecem daquele lugar e a gente conta o
que sabe sobre o material arqueológico. Eles conhecem a história desde o
momento que a comunidade foi fundada, e a gente vai tentar descobrir qual é
essa história antes da comunidade ser fundada, tentando construir junto uma
história mais longa", diz Eduardo.
Além disso, também são realizadas
análises laboratoriais, datando e classificando vestígios já resgatados.
O Instituto Mamirauá tem a guarda das peças que pesquisa, sendo
responsável junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(Iphan) pelo acervo e pela sua manutenção. "A partir de nossas pesquisas,
seguindo essa primeira etapa, conseguiremos discutir outras questões
interpretativas, como as de manejo. Por isso, sempre tentamos juntar vários
pesquisadores diferentes, um que vai trabalhar com a cerâmica, outro que vai
trabalhar com a terra preta, outro que vai trabalhar só com os vestígios
botânicos, outro só com vestígios de ossos, para assim começarmos a construir
um quadro, não só cultural como cronológico também, para o Médio
Solimões", concluiu o pesquisador.
Texto: Vanessa Eyng (publicado
originalmente na página do Instituto Mamirauá)
Nenhum comentário:
Postar um comentário