No oeste do Pará, a cidade de Itaituba concentra obras
estratégicas para o governo federal, mas, diante da infraestrutura precária,
seus moradores temem ficar fora da bonança do desenvolvimento
Itaituba é o principal pólo urbano do médio Tapajós, região
que concentra projetos estratégicos para o agronegócio. Foto: Marcio Isensee e
Sá
Uma rua de terra divide as comunidades Vila Nova e Vila
Caçula, sustentadas em cima de palafitas à beira do rio Tapajós, que banha a
orla do município de Itaituba, no oeste do Pará. A reportagem da Pública se
aproxima de duas casas para entrevistar seus moradores. Do alto das escadarias
de madeira, eles negam. “A gente dá entrevista e nossa situação aqui não muda.
Não vou falar”, diz um senhor de pele morena, cabelos brancos e óculos
acompanhado da esposa, que também responde com um sonoro “não”.
O bairro de estrutura precária não tem água encanada e o
esgoto, despejado no rio, corre por baixo das casas. Mas a situação não é
exclusiva de Vila Nova e Vila Caçula. Não existe rede de tratamento de esgoto
na cidade. Nas ruas do centro, as calçadas desreguladas fazem com que seja mais
fácil caminhar pela rua. Ali, são raras as vezes em que se consegue completar
uma ligação de celular. Em busca do prédio da prefeitura, a equipe de
reportagem passou por quatro edifícios até descobrir que o órgão não possui uma
sede.
Itaituba é a maior cidade da região do médio Tapajós, que
deve receber nos próximos anos um conjunto de obras estratégicas para a
economia nacional. Com a construção de estações de transbordo (que recebem os
grãos de soja e milho para enviá-los aos portos em balsas), uma hidrovia e o
asfaltamento de rodovias federais, o oeste do Pará se tornou um importante foco
de atenção da indústria agropecuária. Ali se forma um dos corredores
estratégicos para escoamento de grãos produzidos no Mato Grosso.
A essas obras soma-se o projeto de um complexo de sete
hidrelétricas na região. Três no rio Tapajós, duas delas ligadas diretamente a
Itaituba, e quatro no seu afluente Jamanxim. A mais avançada delas é São Luiz
do Tapajós, com capacidade de 8.040 megawatts, prevista para ser construída a
65 km de Itaituba. Se os estudos de impacto da hidrelétrica forem aprovados
pelo Ibama, órgão licenciador do projeto, o leilão da usina deve ocorrer ainda
este ano. A previsão é que São Luiz custe R$ 30 bilhões. A segunda usina
prevista para o Tapajós, a de Jatobá, também está em processo de licenciamento
ambiental.
Mas enquanto os projetos avançam, o receio é que os
benefícios do desenvolvimento passem à margem da cidade. Se construída, a
hidrelétrica de São Luiz será a terceira maior do Brasil em potência. E, com
pouca infraestrutura, Itaituba corre o risco de passar pela mesma situação que
Altamira, onde está sendo construída a usina hidrelétrica de Belo Monte. Lá, a
cidade vive o impacto das obras com o crescimento desordenado que provoca
especulação imobiliária, problemas no atendimento à saúde e crescente
violência.
“É uma situação que pra nós não sabemos se vai ser benéfica.
Pro sul do Brasil vai. Pro centro-oeste vai. Mas e pra nós que aqui estamos?”,
questiona Davi Menezes, 44 anos, presidente do Fórum de Entidades de Itaituba,
órgão que reúne 22 instituições, como OAB, Associação Comercial, o Rotary Club
e a Maçonaria. O Fórum surgiu com o objetivo de representar a classe
empresarial de Itaituba frente à implantação dos projetos. Até agora a
realidade não alcançou as expectativas. “Tem um empresário aqui que comprou
quase 200 mil EPIs [Equipamentos de Proteção Individual]. Sabe o que ele
vendeu? Nenhuma luva”, se indigna Menezes. “Ele preparou-se, com estoque, para
vender para construção dos portos e não vendeu nada. Trouxeram tudo de fora”.
Para ele, os interesses das grandes empresas que chegam à cidade se sobrepõem
aos dos empresários locais.
Belo Monte mora ao lado
A preocupação que ronda a cidade não é infundada. Altamira,
distante 500 km, é um exemplo recorrente na fala dos moradores do Tapajós. Para
Eva Bonfim, maranhense radicada no Pará, a cidade “se acabou”: “Tenho quatro
irmãos em Altamira e fui lá visitar. O inchaço populacional é um absurdo, muita
morte, acidente, assalto”. Para ela, Itaituba não será exceção com a construção
da hidrelétrica de São Luiz do Tapajós.
A chegada do projeto da usina de Belo Monte somada a uma
estrutura precária de políticas públicas contribui para o agravamento de
situações de violência em Altamira. A cidade vive uma onda de crescimento de
exploração sexual de mulheres, crianças, adolescentes e indígenas desde o
início da construção da usina de Belo Monte. A alta nos preços dos alugueis e
venda de imóveis chega a afetar instituições que trabalham no combate à
exploração sexual na cidade, já que não há recursos disponíveis para arcar com
a alta dos custos. As informações foram reveladas por uma pesquisa da
Universidade Federal do Pará (UFPA), feita durante os anos de 2013 e 2014. (Leia
a pesquisa aqui e aqui)
Além dos impactos, a aplicação das compensações por parte
da concessionária de Belo Monte, a Norte Energia, não tem sido feita de
maneira adequada. Famílias atingidas pelas obras em Altamira enfrentam atrasos
na entrega das casas e indenizações insuficientes. De acordo com a agência Amazônia Real, o caderno de preços das
indenizações às perdas das casas desconsidera o aumento no custo de vida em
Altamira, reflexo do próprio projeto.
Em março de 2013, a previsão de trabalhadores no canteiro de
obras chegou a 28 mil pessoas – 10 mil a mais do que o número autorizado pelo
Ibama, órgão licenciador da usina. Mesmo assim, as ações para reduzir os
impactos na região de Altamira e dos outros quatro municípios atingidos não
foram readequadas.
Sob os olhos do bispo Dom Erwin Kräutler, que está há 50 anos na
região do rio Xingu e é presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi),
a cidade se tornou irreconhecível. “Era uma cidade do interior que o pessoal na
boca da noite sentava na calçada e trocava umas prosas. Hoje você não pode
sentar mais em canto nenhum. Todo mundo está criando trincheira. Barreiras. Se
você entra em Altamira agora tem muro em tudo quanto é canto, a gente não enxerga
mais as casas”.
De
acordo com o estudo de
impacto ambiental da usina de São Luiz, além dos 13 mil
trabalhadores, cerca de 12.500 pessoas devem chegar à região do médio Tapajós
em busca de emprego e negócios. Mas a exemplo do que ocorreu em Belo Monte, os
números podem ser maiores.
Em
Itaituba, Eva Bonfim é diretora do maior colégio privado da cidade e é uma das
pessoas que pode lucrar com a chegada de novas famílias. Ainda assim, ela
mantém um olhar crítico sobre o projeto. Por meio de aulas e palestras, tenta
alertar seus alunos sobre os impactos que a barragem de São Luiz do Tapajós pode
causar. “Acho que falta esclarecimento para a população, do que vai trazer de
bom e de ruim. Deveria ser bem explicado”, acredita. “Hoje nossos filhos
brincam na frente de casa, saem, vão no mercado. Logo vão perder essa liberdade
pelo inchaço populacional que vai chegar no município. O pessoal diz ‘mas não é
bom o desenvolvimento?’ Será que é bom? Eu não acho que vai ser bom”.
Eva
Bonfim, diretora do maior colégio particular de Itaituba, teme pelos impactos
do projeto hidrelétrico de São Luiz do Tapajós. Foto: Marcio Isensee e Sá
Abrindo caminho
Na
rasteira dos empreendimentos que chegam ao médio Tapajós, o governo
federal e as prefeituras traçam planos para buscar orientar o crescimento da
região.
Em
setembro de 2014, o Ministério do Planejamento divulgou o Plano
Plurianual Territorial Participativo da região do Tapajós. O plano
foi elaborado junto ao consórcio de municípios que, além de Itaituba, inclui as
cidades de Novo Progresso, Jacareacanga, Rurópolis, Trairão e Aveiro. São
previstos investimentos de R$ 1,9 bilhão até 2017 na região, em setores que vão
da infraestrutura, cultura e turismo, à saúde e educação.
Enquanto o plano ainda está no papel, na orla oposta a Itaituba,
no distrito de Miritituba, a estação de transbordo da multinacional Bunge opera
desde abril do ano passado para escoar a produção de soja vinda do Mato Grosso
até o porto de Vila do Conde, em Barcarena (PA). Além dessa, outras três
estações das empresas Cargill, Cianport e Hidrovias do Brasil já estão em
processo de licenciamento ambiental. A rota é estratégica para o setor
agropecuário porque hoje representa uma redução de 34% no custo do transporte
dos grãos para a safra de 2015/2016, em relação à safra de 2013/2014, então
destinada aos portos de Santos (SP) e Paranaguá (PR).
As obras se somam ao projeto da usina de São Luiz do Tapajós, o
mais sensível no momento. Sua construção conflita com a demarcação da Terra
Indígena Sawré Muybu, que poderá ser alagada assim como comunidades ribeirinhas
da região, como a vila de Pimental. O alagamento de terras indígenas para
construção de barragens não é permitido por lei. Até agora, a usina já acumula
oito ações movidas pelo Ministério Público Federal, que tenta garantir o
cumprimento dos direitos das populações locais. (Leia mais aqui e aqui)
Na tentativa de reduzir os impactos do projeto de São Luiz à
região, a Secretaria-Geral da Presidência engatinha na discussão do Plano de
Desenvolvimento Regional Sustentável (PDRS) para o Tapajós. Essa mesma política
está sendo aplicada na região do Xingu, “para prover uma região historicamente
caracterizada pela presença frágil do Estado de políticas públicas necessárias
para seu desenvolvimento”, segundo o texto do site do PDRS Xingu.
Com os estudos de impacto entregues, o projeto da usina agora
precisa da aprovação do Ibama para se tornar realidade. Enquanto aguarda o
resultado, a prefeitura de Itaituba montou uma equipe técnica multidisciplinar
para analisar o estudo de impacto ambiental da hidrelétrica e exigir do Ibama
as condicionantes necessárias à cidade. É por meio dessa análise que a
administração pretende estudar maneiras de mitigar os impactos da usina.
De agosto a novembro, os técnicos observaram uma série de
lacunas na elaboração do estudo de impacto ambiental, em um parecer preliminar
que ainda não foi finalizado. Um dos problemas apontados por Hilário Rocha,
engenheiro ambiental e secretário do Meio Ambiente de Itaituba, é o número da
população considerada, que se baseia em dados incorretos do IBGE, segundo ele.
De acordo com os dados do IBGE, a população da cidade passou de 118 mil,
em 2007, para 97,4 mil pessoas, no censo de 2010. Isso aconteceu porque,
segundo a prefeitura da cidade, a pesquisa não visitou toda a extensão do
município, que possui distritos com 30 km de distância e localidades da zona
rural e garimpeira onde só se chega de avião.
O fato motivou uma ação judicial da representação de
Itaituba contra a União e o IBGE, para pedir a recontagem da população. A
prefeitura conseguiu que o repasse do Fundo de Participação dos Municípios
(FPM) fosse restituído para os valores correspondentes a uma cidade com mais de
100 mil habitantes. Mas a recontagem estatística pelo IBGE não foi feita. De
acordo com o município, a população de Itaituba chega a 120 mil
habitantes.
Na orla de Itaituba, moradores vivem em palafitas para
evitar a inundação de enchentes; sem asfalto, água encanada ou tratamento de
esgoto, a situação das famílias é de alta vulnerabilidade. Foto: Marcio Isensee
e Sá
O caso se reflete em impasse porque com o número de habitantes
considerado pelo estudo de impacto ambiental, Itaituba é sinônimo de um
município modelo. De acordo com o estudo, existem leitos hospitalares de sobra
na cidade (4,48 leitos por mil habitantes, enquanto a recomendação do
Ministério da Saúde é de 2,5 a 3 leitos por mil habitantes) e 100% das crianças
entre 7 e 14 anos atendidas pelo ensino fundamental. São dados diferentes
da realidade, contesta a administração municipal. Baseado neles, as
condicionantes a serem sugeridas para mitigar os impactos da construção da
hidrelétrica podem não ser suficientes.
De acordo com os números fornecidos pela prefeitura,
Itaituba conta com 145 leitos entre o Hospital Municipal (45 leitos) e
hospitais particulares que tem convênio com o município (100 leitos). Mesmo com
o dado considerado no estudo de impacto ambiental, de aproximadamente 97 mil
habitantes, a porcentagem de leitos fica bem abaixo do recomendado pelo
Ministério da Saúde: 1,4 leito por mil pessoas. “Todo o estudo do
EIA-Rima [Estudo de Impacto Ambiental] da hidrelétrica foi feito em
cima de um dado que não existe”, contesta Rocha.
Em outubro de 2014, a CNEC WorleyParsons, empresa responsável
pela elaboração do estudo de impacto ambiental, apresentou o trabalho e ouviu
as considerações dos representantes municipais. “Eles apenas entenderam que
nossa participação é de fundamental importância para que o processo seja feito
da maneira correta, mas não deram pra nós nenhum posicionamento”, conta Rocha.
O ideal, segundo o secretário de Meio Ambiente, é que os estudos fossem
refeitos para readequar as projeções de impactos sociais. Assim, o projeto da
hidrelétrica poderia propor ações de compensação mais afinadas com a realidade
do município.
Se os impactos já preocupam a administração da cidade e seus
moradores, do ponto de vista econômico a chegada dos projetos à região
ainda não movimenta a incipiente indústria da cidade. “Indústria forte, de
produção, de manufatura, de pegar um produto bruto e transformar, praticamente
Itaituba não tem ainda”, revela Eugenio Viana, secretário de Desenvolvimento
Econômico.
As perspectivas são de que os empreendimentos das hidrelétricas,
por conta da produção de energia, e das estações de transbordo aqueçam a
indústria de derivados da soja na cidade, como a produção de ração para
animais. Mas não existe nada concreto sobre os setores industriais que podem se
desenvolver. “É difícil você falar que vai ser nesse ou naquele segmento”, diz
Viana. “Provavelmente vão abrir os leques, a gente tem expectativa nisso”.
Cidade pepita
O ouro continua sendo a principal fonte econômica que movimenta
Itaituba. De acordo com Viana, secretário do Desenvolvimento Econômico, 60% da
economia gira em torno da exploração mineral. Serviços públicos representam em
torno de 20% a 25%. O restante, de 15% a 20%, é representado pelo comércio. O
Produto Interno Bruto da cidade é de R$ 650,3 mil.
Nessa cadeia de produção, o ouro que sai de Itaituba é
majoritariamente ilegal. “Para cada quilo legal, 10 saem ilegais”, explica o
secretário Viana. Assim como o diamante. Ainda sem certificado internacional (o
chamado selo Kimberley, criado para evitar que diamantes ilegais possam
financiar conflitos como os ocorridos na África), o diamante é explorado em
garimpo ilegal, com 300 trabalhadores inseridos em terra indígena.
Para Jubal Cabral Filho, geólogo e vice-diretor da Associação de
Mineradores de Ouro do Tapajós (Amot), o alto índice de ilegalidade é reflexo
da má gestão do governo federal sobre a região. Ele defende que o pequeno
garimpeiro deveria receber assistência para se legalizar. “Se o governo tivesse
vindo aqui, como faz no sul do país a ensinar o garimpeiro a cuidar da terra,
todos nós teríamos um benefício muito maior. Mas ao invés de vir primeiro
orientar, ele vem primeiro punir e punição nem sempre é efetiva”, acredita.
Entre os reflexos da ilegalidade está o sério risco à
conservação ambiental da região. A mudança na coloração de cursos do Tapajós
nos últimos anos motivou uma petição pública que
pede a realização de uma pesquisa para investigar a qualidade da água do rio. A
suspeita é que as dragas que revolvem o leito do Tapajós em busca de ouro
também estejam despejando mercúrio e cianeto em suas águas, comprometendo a
saúde de moradores.
Além dos garimpeiros manuais, maioria na região, o ouro de
Itaituba atrai mineradoras de médio porte de capital estrangeiro. Entre as que
requisitaram autorização de pesquisa junto ao Departamento Nacional de Produção
Mineral (DNPM) estão a inglesa Serabi Gold, as canadenses Eldorado Corp,
Magellan Minerals e Mineração Regent, e a americana Brazilian Resources. A
Eldorado Corp é responsável pelo empreendimento de exploração aurífera
Tocantinzinho, a 200 km de Itaituba, que já teve licença prévia emitida em 2012
e aguarda revisão de estudos econômicos. Até agora, ainda não foi solicitada a
Licença de Instalação. O projeto consiste em uma mina de ouro a céu aberto, com
reservas estimadas em 60 toneladas de ouro e vida útil de 11 anos. Os
investimentos alcançam US$ 12 milhões.
A principal atividade econômica que movimenta a cidade de
Itaituba é a mineração do ouro. Foto: Marcio Isensee e Sá
Diferente dos pequenos mineradores, que muitas vezes exploram a
superfície e beiras de rio, as empresas visam a implantação de minas de ouro.
“O projeto de implantação de uma mina é bem bolado, ela [a empresa] vai
pesquisar. É diferente do garimpo, onde a prospecção é feita pelo próprio
garimpeiro, que vai cavando e vê se tem ouro”, informa o chefe do gabinete do
DNPM em Itaituba, Marcos Antônio Cordeiro, entusiasta da mudança de perfil da
mineração. “A empresa de pesquisa faz uma inspeção no local, faz um trabalho
geofísico e geoquímico, uma estimativa do bem mineral e vai quantificar para
ver se vale a pena [explorar o ouro]”. Nessa conta, a infraestrutura é de suma importância. Sem estradas boas para
transporte ou disponibilidade de energia elétrica para manter a mina
funcionando, não existe grande investimento que se sustente. Com a rede de
obras previstas na região, esse panorama vai mudar.
O problema é que junto à mineração de larga escala, que escava
minas em profundidade, estão os impactos ligados à cadeia produtiva da extração
de minérios. Além do desmatamento e geração de pilhas de dejetos, a mineração
de ouro acarreta um grande consumo de água e energia; os produtos químicos
usados podem contaminar os lençóis freáticos do território explorado e as
bacias de rios, dependendo da localização da mina. O projeto Tocantinzinho, por
exemplo, prevê o uso de explosivos e de reagentes químicos, como cianeto, soda
cáustica e ácido clorídrico e fica localizado a 1,5 km do rio que dá nome ao
empreendimento.
A demanda por pesquisa e lavra na região do Tapajós por parte de
empresas consolidadas só cresceu nos últimos anos. Apenas no município de
Itaituba, foram 255 pedidos em 2014 e 560 em 2013 feitos ao Departamento
Nacional de Produção Mineral. De 2010 a 2014, foram 1445 pedidos no município,
mais de cinco vezes o total dos requerimentos feitos entre 2005 e 2009. De
acordo com a Associação de Mineradores de Ouro do Tapajós (Amot) e com a
secretaria de Desenvolvimento Econômico, o crescimento da exploração do ouro na
cidade tem mais relação com a aquisição de maquinários do que com a chegada dos
grandes projetos de infraestrutura ali. As PCs, espécie de retroescavadeiras
usadas na mineração, podem encurtar o processo de um mês para dez dias na
retirada do ouro.
Em Itaituba, o número de requerimentos ultrapassa, com
folga, o de municípios vizinhos que também são cortados pelo Tapajós. Enquanto
a cidade pepita teve 1717 pedidos nos últimos 10 anos – 90% dos
requerimentos foram para extração de ouro –, Jacareacanga teve 353
requerimentos registrados no DNPM. Já Trairão teve 262.
Lá fora, a floresta
Com extensão territorial de aproximadamente 62 mil km²
(duas vezes o tamanho da Bélgica), o município de Itaituba é formado em grande
parte por um conjunto de áreas de proteção ambiental. Na periferia da cidade,
duas terras indígenas onde vivem os Munduruku, a Praia do Índio e a Praia do
Mangue, estão esmagadas em meio aos bairros residenciais. Para além do núcleo
urbano, diversas áreas de preservação entram em conflito com os interesses
econômicos na região.
Em 2012, a presidenta Dilma Rousseff alterou as áreas de sete
unidades por meio de uma medida provisória, convertida em lei. Todas as
alterações estão relacionadas a aproveitamentos hidrelétricos.
De acordo com nota lançada à época pelo
Instituto Chico Mendes (ICMBio), o Parque Nacional da Amazônia foi
reduzido em 6,7%. Destes, 2,5% do território protegido foi subtraído por se
sobrepor ao lago da usina de São Luiz do Tapajós. As Florestas Nacionais de
Itaituba I (2,5% de área excluída) e II (7,9%), a Floresta Nacional do Crepori
(0,2%) e a Área de Proteção Ambiental do Tapajós (1,3%), também tiveram seus
territórios reduzidos por conta das usinas de São Luiz do Tapajós e Jatobá.
Somadas, as áreas reduzidas por sobreposição a empreendimentos hidrelétricos
totalizam pouco mais que o território da cidade de Salvador.
Em meio à política de proteção ambiental, Itaituba também faz
parte do programa Municípios Verdes, cujo objetivo é combater o desmatamento no
Pará. “Como controlar o desmatamento ilegal na região se essa região está sendo
visada internacionalmente?”, pergunta Hilário Rocha, secretário de Meio
Ambiente de Itaituba, ao se referir aos projetos hidrelétricos e de
infraestrutura que chegam à cidade. “É muito difícil cobrar do município metas,
dados, sendo que o próprio governo federal tem interesse na região”, ressalta.
A equação dessa soma de interesses não tem solução fácil.
Enquanto a cidade corre contra o relógio para lidar com as mudanças que se aproximam,
os moradores continuam se alimentando das promessas de progresso.
Por Bruno Fonseca e Jessica Mota (Publicado originalmente na Agência Pública)
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